segunda-feira, 30 de julho de 2012

Deep Purple - The Book Of Taliesyn


Bem vindos!

Caros amigos, não sei se é de conhecimento popular, mas dia 16 de julho a música perdeu um de seus maiores representantes. Jon Lord, o poeta lírico dos teclados, perdeu a batalha contra o câncer no pâncreas, maldita doença que nos tirou Ronnie James Dio em 2010. A proposta agora é falar do disco que me apresentou Jon Lord, e que para mim é o que ele está mais atuante e versátil. Tenho certo apresso por este registro, pois foi a primeira coisa que ouvi da banda, sem contar smoke on the water.



The Book of Taliesyn é o segundo álbum da banda, não tem Ian Gillan, nem Roger Glover, mas tem o mago (não o do palmeiras) Blackmore e o geminiano Jon Lord. Duas feras, nervosas, duas forças abscissas e mortais. Blackmore não usava sua tradicional fender stratocaster, por tanto, seus solos são jazz, mesmo assim pesados para os padrões. Jon Lord, bom, como sempre, dispensa comentários. Vejamos!



Listen, Learn, Read On é simplória, parece um prólogo, convidando-o ao deleite do experimentalismo dos jovens britânicos. Estranhamente Nick Simper, o dono do baixo, faz linhas muito interessantes enquanto Rod Evans cantarola versos. Blackmore faz um solo barulhento.



Wring That Neck é a mais purple, tocada muitos anos depois ainda pela banda. É jazz, blues e a coisa toda. O riff inicial dobrado por Lord e Blackmore é divino, coisa de gênio. O tecladista inicia o virtuosismo, inspirado nas viagens do jazzista Jimmy Smith, solando na penta blues em dois tons. Blackmore entorta a guitarra, tira as notas do lugar, vejo até os trastes andando no braço da guitarra, principalmente na parte final, em que toca espaçado, todas fora de escala. Procurem as versões de trinta minutos desta música, tocadas no festival de Mountreaux e divirtam-se.   

Kentucky Woman é um cover de Neil Diamond, mais uma estilo blues. Nunca ouvi a versão original, e nem quero ouvir. Bem anos sessenta. Duas linhas de teclado dão este ar. O solo de guitarra de Blackmore novamente mostra o quão ele era diferenciado, inserindo elementos novos e fugindo do lugar comum dos guitarristas blues rock da época. Aos dois minutos e dezesseis, escute com atenção. Dá para não gostar de Jon Lord? O cara mistura as escalas menores harmônica da música clássica com rock e blues e faz tudo em tom sublime. Pela primeira vez ouvimos o que será o estilo lordiano daqui para frente.  E continua...

Exposition / We Can Work It Out é a próxima demonstração de música clássica da duplinha infernal. E mais Beethoven e acepipes. Tudo regado aos tambores de 2001: Uma Odisséia no Espaço de Ian Paice. O começo lembra tangos e tragédias. De novo Jon Lord, sempre ele! E mais um cover, agora dos Beatles. Também prefiro a versão do Purple, mas não me matem. Acho que a banda deu raiva a ela, principalmente pelos solos de Blackmore e Lord. Veja como este bate no teclado perto do fim da música.

The Shield é a deslocada. Jon Lord utiliza-se de três linhas de teclado, apostando mais no piano limpo. Outra música em que é o destaque. Há certo tom de tristeza em suas linhas melódicas, não vemos raiva. Blackmore dobra suas linhas de guitarra, recurso muito utilizado posteriormente. Aos dois minutos e meio, reparem o que Lord faz, bate em seu hammond de um jeito que lembra bongôs e percussão. O solo de Blackmore está na lista dos meus preferidos, é a primeira vez que utiliza a alavanca. O final é ritualístico. Que bela música. Deep Purple já era fantástico em 1968, sem Gillan e Glover.

Os primeiros acordes de Anthem parecem linhas de aula via k7. Mesmo assim, acho a escolha deles muito interessante, mesmo sendo relativamente simples. Rod Evans canta de um jeito que nos remete ao Elvis. A parte interessante acontece na metade, quando Lord e Blackmore põem todo seu lado orquestral para fora, abusam de Bach, Beethoven e agregados e ainda por cima colocam violinos. Isto estava em suas almas e provavelmente morreu junto à de Jon Lord. Repito, Deep Purple foi a única banda que colocou música clássica no Rock sem ser chato. Escutem esta canção novamente e comprovem!

2001: Uma Odisséia no Espaço de novo! Talvez tanta referência, deve-se ao fato do filme ser do mesmo ano do disco. River Deep – Mountain High é mais um momento lordiano. Cheio de soberba. Foge ao estilo Deep Purple de fazer música, porém mostra uma banda cheia de criatividade e personalidade, ao misturar o tema de um filme com um clássico que ficou famoso com Ike & Tina.

Eles estavam muito crus ainda, admito, todavia, fascina-me a presença vibrante e diferenciada de Lord em todas as faixas, fazendo coisas incomuns. Não é à toa, que Rick Wakeman, o segundo melhor tecladista de rock da história em minha opinião, segredou em recente entrevista sua grande admiração por ele.



E aqui fica minha homenagem ao mestre do Purple e do Rock mundial! Descanse em paz, Jon Lord.

Grande Abraço!

domingo, 22 de julho de 2012

Frank Zappa - Apostrophe (')


Bem vindos!

E por fim, Apostrophe (‘)!



1974, Zappa já experimentara muitas coisas musicalmente, satirizou o movimento hippie em “Freak Out!”, exauriu os músicos em “Uncle Meat”, flertou com o comercial em “Hot Rats”, reinventou o jazz em “Grand Wazoo” e “Waka-Jawaka”, e, finalmente fez os seus mais aclamados pela crítica: “Over-nite Sensation” e “Apostrophe (‘)”.



Os estilos dos dois últimos são idênticos, todavia, “Apostrophe (‘)” é meu favorito depois de “Roxy & Elsewhere”. Frank abandona de vez The Mothers e vira “ele mesmo”.  As letras são as mais duras e loucas que já vi na música, além de um censo de humor anacrônico, pronto para ferir qualquer moral cristã. É uma ótima aula de como se fazer sátira. Alguns humoristas da atualidade poderiam aprender com ele.



O vento norte, proveniente da Tundra zappística, sopra. Don´t Eat The Yellow Snow é o começo de um discurso imortal, “Cuidado por onde os huskies passam/E não vá comer aquela neve amarela”. O tema é simples, quatro notas diferentes que vão e voltam muitas vozes são escutadas ao fundo. Frank insere notas cantadas, como no jazz, “Bop-bop ta-da-da bop-bop Ta-da-da”. Ok, não entendemos nada!

Nanook Rubs It continua a Transiberiana, se assim podemos chamá-la. A partir deste momento identificamos a tentativa de Frank em montar uma ópera rock, ao estilo dos álbuns feitos na época, narrando uma luta com um caçador de peles de bebês foca. Esta é mais uma das típicas músicas R&B de Frank, muito suingue em sua voz, ritmo nos teclados de George Duke e a introdução dos vocais das Ikettes, famoso trio de vozes de Ike & Tina. Aos três minutos, uma ótima virada, com os famosos instrumentos de sopro da banda.




St. Alfonzo’s Pancake Breakfast continua a toada de álbum conceito, porém ao estilo Zappa, não há muito sentido, nem é para ter. Ruth Underwood finalmente aparece com seu xilofone, e começa bem. Na metade da faixa, o momento mais Zappa até o momento, xilfone e teclado se abraçam, ritmados pela bateria de Ralph Humphrey. Father O’Blivion é a continuação rápida da última. Aqui se nota a crítica aberta e hermética à Igreja católica, o que Frank fez a vida inteira, misturando sexo e cultura celta, que miscelânea. Os riffs de guitarra são limpos e rápidos e a bateria muito forte. E o R&B continua...

O disco conceito termina em Cosmik Debris que é a mais engraçada. Minha imaginação vê Zappa vestido de guru charlatão indiano, em uma clara sátira a estes. A melodia é um blues puro e seco, sem firulas, com um ótimo solo de guitarra. Destaque para as Ikettes e Tina Turner, que dividem os vocais com Frank. Aliás, somente um músico do gabarito dele, para envolver vocalistas desta magnitude em seus projetos.

Excentrifugal Forz prova que estamos diante de um disco novo, ou pelo menos diferente. Serve apenas como ritual de passagem para a próxima. A introdução é magnífica, escutamos a guitarra-violão acompanhada de um violino baixinho. E muitos solos errados de guitarra. A voz de Zappa morre abruptamente.

Apostrophe é um pouco diferente da essência de Zappa. Parece uma Jam Session natural dos anos 70, quando os músicos tinham o hábito de se encontrar após os shows, para barbarizar seus instrumentos, em pequenos bares. Os solos cheios de graves de Zappa e Jack Bruce (isso mesmo, o grande baixista do Cream) formam um caldo de cana americano escocês.

Uncle Remus escrita em parceria com George Duke é mais uma crítica aos americanos abastados de Beverly Hills, usando como referência as histórias de temática social do Tio Remus (busquem conhecimento). Duke faz ótimos acordes no piano, que se interpelam as letras. Frank prova como estava em constante contato com as tonalidades da música negra dos Estados Unidos, tanto nos vocais das já supracitadas Ikettes e Tina Turner, como nos solos de guitarra, meio tortos, é verdade, mas com muito efeito.

Stink-Foot é faixa mais interessante do disco, primeiro por tratar-se de um blues com ritmo à moda antiga, com uma letra hilária e escatológica, em que Zappa descreve um pé fedorento e um diálogo existencial com seu cachorro. É a prova cabal da prolixidade do autor durante todo o disco, embebida pelos marcantes ritmos afro-americanos.

Paradoxalmente a todos seus trabalhos pregressos, notamos a força da guitarra em todas as músicas, que sola na penta blues na maioria dos casos. Os instrumentos que não pertencem essencialmente ao Rock, como o xilofone e naipe de metais, aparecem somente em momentos muito pontuais, dando certa normalidade a toda obra, o que mostra uma autocrítica musical de Frank, transferindo o falatório usual de seus instrumentos, para as longas e ininteligíveis letras. Por fim, notamos sua genialidade, quando apaziguou a virtuose de “Grand Wazoo” e a transformou em crítica, provando que para entender Zappa, só conhecer música não é o suficiente, é necessário descobrir a arte em todos os sentidos.  

Encerramos Zappa!
Grande abraço!

sábado, 14 de julho de 2012

Frank Zappa - Uncle Meat


Bem vindos, autônomos do saber!

 Dissertemos mais sobre o inconfundível Frank Zappa.

Ao final dos anos sessenta, Zappa já havia emplacado grandes obras musicais. Este foi o período do The Mothers Of Invention, um dos mais “cricas” de sua carreira. As letras eram ácidas, corrosivas, e as performances ao vivo, teatrais. Histórias deste período não faltam. Foi também a época em que começou a misturar trechos de músicas ao vivo, com faixas de estúdio. Para quem tem uma noção mínima de música, sabe que o cara tinha que ser um metrônomo humano para desempenhar tal façanha.


Devo adverti-lo que este disco foge completamente de tudo o que você provavelmente já ouviu anteriormente. As músicas são todas relativamente curtas, tendo apenas algumas de maior duração. Inserções cinematográficas funcionam como gôndolas, discriminando faixa a faixa. Para o bem de todos, não escreverei sobre elas, já que são difíceis de compreender, mas quando for escutar o disco, tente ouvi-las. Suzy Creamchesse estará lá te esperando.


Uncle Meat: Main Title Theme marca o começo do experimentalismo mais profundo de Zappa, apostando na percussão. Notem, são notas batidas no xilofone, e acompanhadas pela bateria, e por um teclado estilo cravo. Depois temos barulheira e Suzy Creamcheese, personagem “principal” do disco.

Nine Types Of Indrustrial Pollution aprofunda mais o experimentalismo pregresso, retirando todos os instrumentos, colocando uma infinidade de instrumentos de percussão e adicionando uma pitada de guitarra limpa, estéril, estilizada e rápida. Frank mostra que sabe ser músico e sabe ser maestro inconscientemente. Zolar Czakl acompanha a pregressa e mostra uma nova cara para o tema apresentado na primeira faixa do disco. Os ouvidos mais aguçados notarão que Uncle Meat: Main Title Theme aparecerá vestida diferente muitas vezes.

Dog Breath, In The Year Of The Plague é uma das mais interessantes, principalmente pela diversificação. Tem folk, ópera, jazz, arritmia cardíaca, frenesi, vocais fazendo papel de instrumentos, ou seja, tudo! No minuto final temos dramaticidade.



The Legend Of The Golden Arches (os títulos são todos grandes assim mesmo) flerta com a proposta de Nine Types Of Indrustrial Pollution, percussão e notas malucas, só que agora no naipe de metais. E no minuto final, mais dramaticidade. Suzy Creamcheese aparece mais uma vez, meio que anunciando Louie Louie (At The Royal Albert Hall In London). Está é a demonstração da capacidade de síntese de Frank, que junta trechos ao vivo, com trechos de estúdio, e nos faz engolir tudo isto. Sem dar tempo de respirar começa The Dog Breath Variations e Sleeping In A Jar. A primeira apresenta mais variações dos temas anteriores, executados por xilofone, violão e clarinete. A segunda se parece mais com as faixas feitas nos álbuns anteriores do Mothers Of Invention. Música e letra “non-sense”. Mais e mais Suzy Creamcheese.

Para que tanta segregação instrumental Frank? The Uncle Meat Variations repete os temas novamente, e de novo separa instrumento, parece querer ouvi-los de forma única, não quer orquestrar. Formigas cantando ópera? O que você fumou para fazer este disco, hein, Frank? E depois, Electric Aunt Jemima, que é engraçada de tão absurda.

Prelude To King Kong é o prelúdio ao que há de mais magnífico em termos musicais. Aguardem e confiram. God Bless America (Live At The Whisky A Go Go) e A Pound For A Brown On The Bus são a prova do orgulho nacionalista de Frank. Para quem conhece o figura, sabe que isto não é um elogio.

Ian Underwood Whips It Out (Live On Stage In Copenhagen) mostra a liberdade artística que Frank propiciava a seus músicos. Ian Underwood se apresenta em ambos os sentidos, primeiro nominalmente e depois formalmente. Frank diz: “Arrebenta!” e Ian não falha na missão. Nós ficamos sem fôlego por ele.

Mr. Green Genes finalmente é uma música completa, não tem remendos e junções. Os saxofones são o ponto alto, principalmente o tenor. A melodia é arrastada lá no chão, não tem forças para se levantar. Os momentos de pausa no vocal são pautados pelo enérgico xilofone. Frank mostra ter encontrado o uso perfeito para o instrumento, talvez por isto ele seja utilizado em todo o disco. E começa com ele em We Can Shoot You, mais uma faixa com momentos de intimidade e autoflagelação dos instrumentos.

The Air é a mais engraçada e bem humorada. A letra é cantada tão devagar, que até para os péssimos na interpretação do idioma bretão, como eu, conseguem entender alguma coisa. É uma ótima sátira ao rock brega dos EUA.

Project X começa com uma ótima levada apaixonada de violão, o clarinete de Ian Underwood dá emoção à faixa. Mais xilofone e instrumentos de sopro. O violão volta sozinho... a percussão nos assusta. A música termina e começa de novo, com a marca registrada do disco: arritmia, descompasso, notas fora de escala, tríades com cromáticos etc. Cruising For Burgers é a mesma coisa, no entanto é apoteótica, e Frank usa a segregação dos instrumentos de uma forma mais atraente aos ouvidos mais incautos.

Lembram-se do prelúdio que falei acima? Pois bem, olhe ele aí! King Kong Itself, I, II, III, IV, V e VI é a manifestação do gênio em forma de notas pretas. Esta música vale o disco. Temos dois destaques, os instrumentos de sopro e bateria. O riff feito por eles te faz prender a respiração e torcer para que ele não pare nunca mais. É jazz, senhoras e senhores, como diria Frank, de um jeito peculiar. Cada parte de King Kong conta com um solo distinto, sendo o da quinta parte o mais diferenciado e lúdico, por não ter uma condução lógica e contar com um ótimo efeito, que o deixa rasgado. A guitarra de Frank serve como um coringa, tem groove, malícia e contorna os solos com um lápis preto, de ponta bem grossa. Não é possível ouvi-la direito, no entanto tem papel fundamental. A parte VI é a prova material deste sonho lúdico proposto por Zappa. E para concluir, mais loucura instrumental.

Aqui está a faceta sessentista mais interessante de Zappa, nem o ótimo debut Freak Out! vence este disco.

Finito!
Grande abraço!

domingo, 8 de julho de 2012

Frank Zappa - Roxy & Elsewhere


Bem vindos!

Desde que iniciei os trabalhos deste blog, quero fazer um post sobre o cidadão, porém é uma tarefa extremamente difícil destrinchá-lo. Sobre qual álbum falar? A discografia é muito extensa, composta de oitenta, (isso mesmo OITENTA, algumas bandas fizeram sucesso com cinco discos e olhe lá) completamente diversificada. E como falar sobre técnica e composição? Este artista desfruta de um portfólio musical impressionante, quase inclassificável. Resolvi arriscar-me, mesmo assim.



Frank Vicent Zappa é o nome deste ítalo-americano carcamano, que possuía ascendência francesa, grega e libanesa também. Por ser um mestiço de várias culturas, em um país que desaprova tal miscigenação, sua música e arte tem um caráter questionador e transcendental. As influências vão de Stravinsky, R&B e jazz, muito jazz, apesar de ter dito uma vez que o jazz não estava morto, só cheirava estranho. Dentro de meu conhecimento musical, noto que Frank criou um estilo somente dele, sem precedentes históricos, podendo se enquadrar assim aos grandes nomes da música internacional, como Bach, Beethoven etc. E o melhor, criou grandes obras de arte sem a interferência das manobras toxicológicas comuns da época, era genial por si só. 

E agora, sobre qual disco falar? A discografia tem oitenta discos! Resolvi falar sobre os três que considero meus favoritos. Roxy & Elsewhere, Uncle Meat e por fim o mais famoso de sua carreira Apostrophe. Começarei pelo primeiro (não me diga?!). 



Trata-se de um registro ao vivo, duplo e gravado em Hollywood, Califórnia, com talvez o melhor plantel de músicos que Zappa já teve, mesmo não contando com os geniais Jean Luc-Ponty e Ian Underwood. Destaques para George Duke, o dono dos teclados e vocais soul inconfundíveis e Ruth Underwood, esposa do supracitado Ian, representando o xilofone, instrumento que alia percussão e melodia. Zappa é hors concours e sempre será o destaque por trás de tudo e de todos. Mas por que decidi começar com este? Além do que já citei acima, acredito ser está a fase de maior maturidade musical do artista, além de ser a mais criativa, contando com algumas releituras fantásticas de suas próprias músicas. Vamos ao disco.

Penguin In Bondage começa com o prolixo Zappa introduzindo uma canção de letra totalmente sem sentido, como sempre, ou para os puristas, um pingüim na servidão. Hein?! A melodia é simplória para os padrões do disco e do músico, no entanto é um ótimo blues/funk. Conta com um divertido solo de guitarra do mestre, meio sujo e cheio de efeito. Prestem atenção em duas coisas, os sons esquisitos que permeiam a música, geralmente pautados pelos naipes de metal, e a letra que não fala nada com nada, em mais uma clara atitude provocadora de Frank, que não era muito adepto das letras, colocando-as de forma anárquica, na maioria de suas composições.

Pygmy Twylyte tem o mesmo clima da anterior, letras doidas, notas simples, só que com menos blues e mais peso nas guitarras. A banda trabalha duro, se acompanha por toda parte, com leves inserções de cada instrumento, em momentos espaçados. Isto é uma das marcas registradas de Zappa também, o respeito coletivo e individual de cada instrumento. Tudo é friamente calculado com precisão cirúrgica. E isto em apenas dois minutos de música, o que mais vem por ai?



Dummy Up está mais focada nas performances teatrais dos shows de Frank à época. A crítica é extremamente ácida ao ensino de uma forma geral, principalmente sobre o ensino superior, que na visão do autor, está preenchido de nada, fazendo até uma alusão as drogas, que são largamente consumidas neste período da vida. Em uma de suas frases célebres, ele diz não suportar o fato das pessoas usarem as drogas como aval para agirem como idiotas. Lendo sobre a vida e filosofia de Zappa, você provavelmente entenderá melhor está música.

Um pouco da história de Frank em forma de música: Village Of The Sun. Outra melodia mais simplificada, com muitos momentos jazzísticos, principalmente nas viradas de teclado. O clima soul nunca sai dela, notamos isto na voz de Napoleon Murphy Brock e na tonalidade do teclado de George Duke. Podemos sentir a brisa na cara, da cidade, apesar da letra dizer o contrário. Aos dois minutos temos uma ótima virada, dando êxtase à sonoridade, destaque para o cow bell (ou sino de pescoço de vaca) que aumenta o clima interiorano. Ao final uma conexão perfeita a próxima.

Echidna's Arf (Of You) é a tipificada. Notamos o estilo que Frank queria explorar nesta fase de sua carreira. É impossível ouvir e não achar que é dele. Os ligados, as notas fora de contexto, as mudanças de andamento, as diminutas, semi-diminutas e o próprio rock and roll em si. Aos três minutos e cinco segundos, achamos que vai acabar. Ai, fomos surpreendidos novamente, fica mais complexo ainda, dando-nos a impressão de que não acabará nesta vida, toda a banda se acompanha.

Don’t You Ever Wash That Thing? é a mais jazz de todas, causando inveja até em Miles Davis, John Coltrane e Cia. Cada parada diz alguma coisa, que não conseguimos entender. Primeiro destaque: Walt Fowler, com um ótimo solo de trompete, mostrando que Zappa propiciava o improviso em suas músicas, e que magnífico exemplo. Segundo destaque: George Duke um dos maiores talentos que já tocou com Frank, fazendo um solo de teclado a parte das críticas, magistral, imponente e mais tudo o que você achar, vários estilos musicais são identificáveis. Terceiro destaque, mais um solo, agora de baterias, já que a banda possuía dois, sinceramente acho que é um dos poucos solos de bateria que possui contexto e não é chato. Zappa destila algumas notinhas, mas ainda não chegou a hora dele.

Cheepnis faz uma “homenagem” aos filmes de terror de baixo orçamento, hoje em dia considerados Cult. Falando de melodia, não há muito que dizer, é rápida e meio barulhenta até. A tosquice denunciada permeia a melodia, todavia nota-se a complexidade de praxe em alguns instrumentos, como baixo e teclado. A meu ver, a música mais engraçada do disco, principalmente quando se ouve algo parecido a música japonesa. Não sei por que, mas sempre me lembro das películas de Quentin Tarantino quando escuto esta faixa.

O blues Zappaniano retorna, cheio de funk e ritmo em Son Of Orange County. Assim como em Penguin In Bondage, a melodia é simplista, utilizando-se de riffs até clichê para um artista desta criatividade, porém tudo feito pelo “mestre” é pensado e repensado sempre. Creio que esta faixa apenas serve como uma passagem para o que vem depois, já que conta com um inconfundível solo de guitarra. Provavelmente a música mais “californiana” de Zappa. Muito boa de ouvir, relaxante até.

More Trouble Every Day é a releitura do clássico do álbum “Freak Out!”. A faixa original é mais folk, meio blues caipira. A letra fala sobre as revoltas nos bairros negros do sul dos Estados Unidos, uma das mais sérias de Frank. Neste show a música vem vestida diferente, em um vestido rosa de bolinhas amarelas, bem largo. E agora sim a guitarra de Zappa é o grande destaque. Este solo me fez admiti-lo como um de meus guitarristas preferidos, provando que não era somente um grande compositor, mas também um músico exímio. Logo no começo sentimos a ferocidade das notas lançadas por sua Gibson SG.  

E finalmente, Be-Bop Tango (Of The Old Jazzmen’s Church). A meu ver, a música mais complexa que Zappa criou, a prova disso são os pedidos de calma que ele faz a toda banda antes de iniciá-la. O andamento feito nesta versão, não nos faz notar que se trata de um tango. Começa absurda, caótica, surrealista, com xilofone e trompete enlaçando-se. As notas, os músicos, os instrumentos, nada conversa e faz sentido. Espere! Preste atenção, tudo faz sentido sim, o que não faz sentido são seus conceitos sobre música em geral. Às vezes me pergunto como Frank colocava todas estas notas malucas em uma partitura, e mais, como conseguia dar papéis diferentes para cada instrumento e os fazer conversar? Aos três minutos, após a desordem, escuta-se o trompete solo, acompanhado apenas pelo baixo, oscilando pelo jazz de outrora, variando dentro de temas anacrônicos. E por fim cessa. Zappa faz uma inserção interessante, propõem aos membros da platéia dançar sobre os temas cantados e tocados por George Duke. Frank tira altos sarros da platéia, causa furor entre as mulheres e diverte. Para finalizar um ótimo blues capitaneado por Duke e seus teclados do inferno, com mais um solo abafado de Zappa. Toda a banda é apresentada e fim!

Que show! Meus parabéns aos privilegiados que puderam acompanhar os três dias de gravação deste petardo musical. Pena ter nascido nessa época de atrofia musical. Zappa foi a prova viva de que o Rock n Roll é mais do que só guitarras, pode possuir milhares de instrumentos atuando em conjunto e ainda por cima se auxiliar da tecnologia para explorar sonoridades ainda desconhecidas.

Vida longa ao mestre!

Por hoje é só!
Grande abraço.