Bem vindos!
As londrinas tardes de maio da
Paulicéia instigam-me a dissertar sobre bandas gélidas. Há tempos quero falar
sobre esta maravilhosa banda, conterrânea de Ingmar Bergman, ABBA (eita?) e de
uma infinidade de bandas de Black Metal. De alguma maneira o paganismo da
mitologia nórdica inflou os corações dos habitantes destas planícies com
satanismo, ódio e glórias, estas agora perdidas.
Por tanto, Opeth, natural de
Estocolmo, é uma das referências do metal progressivo, elevando este vocábulo à
sexta potência, pois inseriu o gutural em um contexto que só permitia sopranos
(vide Dream Theater e seu James LaBrie). Realmente quando falamos de relevância
vocal em música, o nome de Mikael Åkerfeldt (difícil de escrever hein) tem que
ser citado, e ele poderia parar por ai, no entanto é o dono de todas as
composições da banda e ainda arranja tempo para ser um fanfarrão nos palcos.
Beleza, já inflamos bastante o ego dele, agora podemos prosseguir.
Para os fãs mais puristas este
não é o melhor disco do grupo, é menos pesado e não tem os característicos
vocais guturais. Em meu caso, foi a primeira obra completa que ouvi deles,
transformando-me em fã absoluto, além de me levar a procura dos outros
trabalhos, como o excelente Ghost Reveries de 2005, o meu favorito. Aceitei que
gritaria em música pode ser muito legal. E lá vamos nós!
Segundo o próprio Åkerfeldt (viva
o control + c, control + v) Heritage,
que dá nome ao disco, é uma homenagem ao Jazz Sueco incutido no subconsciente
da banda, uma linda e delicada música, harmoniosa por si só, não é rock, mas é
de onde ele veio. O piano apresenta-se sozinho para nosso deleite.
E após o maravilhoso prólogo,
enfim The Devil’s Orchard. O rock
aparece diminuto, porém forte e magnificente. Elementos perdidos nos anos 70
estão de volta, teclados estilo Hammond, guitarras com distorções leves e
bateria arrítmica. Mikael havia provado nos discos anteriores que é um mestre
na criação de riff’s, e prossegue assim sendo. O trabalho nas baquetas é fora
do comum, toda a música é pautada por elas, modulando os 3 momentos marcantes.
Bandas que conseguem agir como uma coisa só são minhas favoritas.
I
Feel The Dark remete-nos ao disco Damnation do grupo, que abdicou,
em partes, das guitarras. O início é suave por demais, barroco, erudito e
talvez Bachiano, Blackmore ficaria orgulhoso. Perceba o agradável timbre de voz
de Mikael, aliado ao belo instrumental criado. Na metade da música surtos de
Robert Frip e Cia alvejam a música, transformando-a imediatamente em um
clássico setentista do King Crimson. John Wetton, Greg Lake e Bill Brufford
ficariam felizes também. Se não sabe quem são eles, busque conhecimento.
Citamos Blackmore, dois
parágrafos acima, certo? Olha ele ai outra vez em Slither!
Esta é a versão Rainbow do mago das guitarras. Uma homenagem da banda a
Ronnie James Dio e a uma das melhores épocas dele (se é que houve alguma ruim).
Muitos acusam esta nobre melodia de estar fora do contexto do disco. Primeiro
que o rock não é um quadrado no qual tudo tem que estar perfeitamente alinhado,
segundo que canções fora de contexto só devem ser criticadas se forem realmente
muito ruins. Diga-me se você não ficou com vontade de ouvir Long Live Rock ‘n
Roll, ou Rising na íntegra depois dessa?
Nepenthe
começa com uma brisa viajante, imagino-me numa praia deserta e nublada. O
casamento poligâmico de baixo, guitarra e bateria, lembraram-me alguns discos de
jazz que ouvi muito na minha adolescência, de Mike Stern a Jaco Pastorius. O
que mais me fascina neste disco é a potência dos teclados, como faz falta a
inserção dele decentemente nas músicas da atualidade, parece que todas as bandas
o utilizam de forma equivocada. Observem que todos os solos de guitarra
parecem friamente calculados.
Häxprocess
prossegue a toada da anterior, aproveitando o ritmo suave que paira no ar. Martin
Axenrot é o nome dele, o dono das baquetas e com alto nível de virtuosismo. Notem que ótimos
arranjos e levadas, os pratos tocam na batida de seu coração, ou pelo menos
ditam ela. Mikael arrisca riffs e notas sob a chancela de um violão de nylon.
Viajem!
Famine
começa estranha, uma flautinha aqui, uns tambores asiáticos acolá. O piano,
jazz sueco, dúvida, Heritage, tudo retorna. Ouçamos Mikael acompanhar as notas
com sua voz. Tomamos um rumo novamente, o grupo parece ter achado o caminho,
eis que tudo desaba, e o King Crimson retorna. Muitas notas diminutas e
demoníacas adentram o cenário. E nesta obsessão setentista, partem para o
absurdo, fundir King Crimson com Jethro Tull. Dá certo e gera muita tensão no
ar, quase arrancamos os braços da cadeira de tanto nervosismo, o coração bate
mais lentamente...
The
Lines In My Hand prova que o baixo também é muito foda, ditando todo
o ritmo. As linhas nas mãos do hermano
uruguaio Martín Méndez são o destaque, o resto são coadjuvantes. O violãozinho
de Paco está no ar, mas o baixo é o baixo. Na parte final, a música fica mais
Opeth velha guarda, mais porrada.
A intro de Folklore parece-me fruto de uma brincadeira
descompromissada na guitarra, talvez um sacrilégio de minha parte. Na verdade,
o álbum inteiro é uma brincadeira que foi longe demais. Você alguma vez
imaginou músicos malvadões do gabarito do Opeth fabricando músicas como esta ou
Nepenthe. Esta faixa é mais uma do hall
das músicas silenciosas que já falei aqui no Blog, principalmente quando ouvimos um instrumento só e o silêncio que o acompanha nos contagia. Consigo elencar três momentos que se
contrapõem, o silêncio, perseguido pela violência, e por fim, a progressão,
dando um ar de elevação e evolução. E mais solos meticulosos de Åkerfeldt. Sim, é a música chave do disco!
E por fim, o encerramento dos
trabalhos. Marrow Of The Earth é um
momento intimista de Mikael, que multiplica sua criatividade nos arranjos,
aliando guitarra e violão, alternando levadas e fraseados, riffs e muita
intensidade. A banda prepara uma virada de mesa, dando a impressão de que
teremos guerra, porém era mentira, sendo um simples acompanhamento até a saída.
As notas finais poderiam se repetir eternamente...
Pois bem crianças, isto é Opeth,
uma banda com sonoridade extremamente pesada, que sempre teve bom gosto em suas
composições, aliando vocais limpos aos guturais e investindo no progressivo que já foi enterrado várias vezes. Para quem conhece bem a
discografia da banda, todas as músicas deste disco poderiam estar em qualquer
disco deles, só tiveram o trabalho de agrupá-las e aplicar certo "conceito", por isto não reclame e
aproveite um clássico. E para quem está ouvindo a banda pela primeira vez, ouçam
o restante do trabalho e aprenderão a gostar de pancadaria também.
Para quem gostou muito da
sonoridade do disco, leiam a matéria do Whiplash com Mikael, na qual ele cita
as referências usadas para compor. Descobri coisas muito interessantes. Link: http://whiplash.net/materias/curiosidades/149309-opeth.html
Por hoje é só!
Grande Abraço!
Por hoje é só!
Grande Abraço!